31 maio 2004

De olhos no chão



Um grupo de amigos em busca de comida e muita bebida aproxima-se da porta de um restaurante. A conversa era animada e não estava a ser fácil aquele ordenamento que espontaneamente que se encontra quando dez pessoas pretendem passar por uma porta que só dá para uma de cada vez.
Ao fim de alguns minutos que foram bastantes, lá decidiram entrar, contudo deparam com uma mulher que tinha uma criança deitada sobre o seu ombro. A mulher estava a pedir esmola.
A mulher de aspecto sujo tapava a criança com o que fora em tempos uma pequena manta e que permitia ver umas perninhas caídas, magras e imundas.
No silêncio que se seguiu poucas foram as palavras que saíram daquelas bocas que segundos antes não se calavam.
Alguém perguntou: mas precisa de trazer a criança para aqui?
De repente a criança que estava a dormir, provavelmente de fome e cansaço, salta como se tivesse sido sujeita a uma chicotada e começa a chorar. O choro era intenso, a cara era de sofrimento, o que os fez sentir de imediato culpados por tudo o que de mau lhe tinha acontecido em tão curta vida.
Todos se calaram, o choro da criança fazia doer não os ouvidos mas a alma, os olhos foram directos para o chão.
Do grupo destaca-se um homem, um dos mais velhos, que pergunta à mulher: porque fez isso? porque deu um beliscão à criança?
E aí perceberam que a criança tinha sido violentamente agredida.
As vozes começam a subir de tom com a indignação, não se podia admitir aquilo. Que fazer?
De repente a mulher começa a andar em passo apressado, a criança que continuava a chorar já ia debaixo do braço.
Cabrões, nem assim dão nada, filhos da puta, ouviu-se quando virou a esquina.

Eu estava nesse grupo, e fui um dos que baixou os olhos.

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ESTIMADO PÚBLICO

Os grandes cozinheiros internacionais Didas e Japinho, vêm com muito gosto anunciar a abertura de um novo restaurante.
O ambiente é seleccionado e a localização óptima uma vez que, apesar de central, fica num lugar sossegado e com excelentes vistas.
Para já, este restaurante ainda se encontra a servir um prato único. No entanto iremos alargar o menu muito brevemente.
Contamos com a sua visita, o que poderá fazer facilmente clicando na imagem abaixo.



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27 maio 2004

Fado

Temos dias em que queremos viver por dentro de nós.
São recordações que teimam em sair da gaveta.
Das muitas tertúlias em que participei uma para mim foi marcante. Quintas à noite lá íamos nós jantar ao Telheiro no Bairro Alto.
Era um grupo de amigos do mais diverso que se pode imaginar, desde actores de teatro a locutores de rádio a jornalistas havia de tudo um pouco. As idades também eram bem estendidas no tempo, iriam dos vinte e poucos aos setenta e tal anos.
Foi lá que aprendi o que era um fado Menor, o meu preferido, o Maior ou o Armandinho. Eram noites de intermináveis conversas e troca de poemas deste ou daquele fado.
Eu, um puto com pouco mais de vinte anos aparecia com o meu ar de punk, vestido de preto cinto de metal e botas Dr.Martens e com a cabeça cheia de outras coisas. Parecia saído de outra anedota, mas não, eu adorava aquelas noites em que se contavam histórias de fados de fadistas e claro, de Lisboa.
Mas voltemos à tertúlia.
Além de se comer e beber muito bem este restaurante tinha um conjunto de guitarristas de fado sempre a tocar, toda a noite, contudo não tinha fadista residente.
O facto de não ter o esperado fadista residente era o grande atractivo para se ir lá jantar.
Altas horas da noite começavam os clientes a pedir que tocassem este ou aquele fado, era o arranque para que as gargantas se soltassem. A qualidade não era uma exigência, cantar isso sim era necessário.
Mas nem todos eram desprovidos de voz.
Foi aí que ouvi pela primeira vez o José Manuel Osório, o grande Zé Manel.
Como ele cantava bem. Tinha uma voz carregada de expressão e doçura que punha ao serviço de fados escolhidos, sim que o Zé Manel não cantava qualquer coisa, e se ouvia um barulho parava. Não se pode cantar fado sem a devoção dos ouvintes.
Foi através da sua voz que ouvi pela primeira vez muitos dos fados que ainda hoje me emocionam.
Há pouco mais de dois anos fui ao Club de Fado só para o ver e ouvir. Não consegui conter as lágrimas e chorei.
Da sua voz clara e potente restava o suficiente para nos transmitir o sentimento que continuava a fluir de si.
Poucos são os fadistas que conseguem ter em mim este efeito de reconciliação com a vida, com o passado e com o futuro, que nos ensinam a não ter vergonha de sentir por dentro da voz de alguém.
A estes amigos de tertúlia devo parte da paixão que tenho pela música, por toda a música, com eles aprendi a gostar de fado, a emocionar-me com as palavras a mostrar os sentimentos.
Ao Zé Manel agradeço o privilégio de o ter ouvido e de ter sentido através da sua voz.



Nota: O JOSÉ MANUEL OSÓRIO talvez seja o doente infectado com Sida há mais anos em Portugal, mas ainda está vivo.
A minha mulher, que nem é amante como eu, disse-me em tempos que o fado é um acto quase religioso.

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26 maio 2004

Rock in Rio Lisboa

E pronto lá fecharam as fronteiras.
A suspensão da livre circulação entre Portugal e a CE aí está.
São dois os eventos que levam os nossos governantes a fecharem as portas. O Rock in Rio Lisboa e o Europeu de football.
Fechar as portas? Como se isso fosse possível, mas está bem fica a intenção.
Do Europeu já todos falaram, os apoiantes e os do contra. Eu sou do contra. Como se pode gastar dinheiro desta forma quando muitas das necessidades básicas dos portugueses não estão satisfeitas? È um fartote de ostentação.
O Rock in Rio Lisboa tem outra dinâmica, para mim fascinante, a da inovação.
Broncos como somos, sem um único festival de música durante um longo verão, temos de agradecer à equipa que chegou do Brasil e nos ensinou várias coisas sobre esta nobre arte de fazer festivais.
Nobre arte? Perguntam vocês. Sim, nobre arte.
Não é todos os dias que nos tentam recrutar para um evento onde entre 2,5 a 5% da receita de bilheteira vai ser oferecida a organizações de solidariedade social, e que tem como objectivo primeiro unir as pessoas em torno das suas diferenças culturais.
Por tudo isto estamos perante uma nobre arte. A arte de lucrar com um evento e ainda lhes agradecerem.
É lindo como a estratégia, sempre a mesma, continua a funcionar.
Temo que se os resultados forem os esperados os organizadores não se irão embora, talvez optem por criar uma nova seita religiosa ou coisa do género.
Matéria prima não lhes falta, nós, os portugas das anedotas.





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24 maio 2004

Azuis



Semeias flores azuis
como há muito não fazias,
acaricias as sementes com as pontas dos dedos.
Céptica, não acreditas que vão nascer.
Elas, azuis
nascem por amor, a ti.

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Muito mau e muito bom

Muito mau para começar a semana é a lembrança do discurso do primeiro ministro no congresso do seu partido.
Evocar Deus: Deus nos livre do PS ganhar as próximas eleições, já é muito mas muito mau.
Culpar os comunistas se alguma coisa correr mal durante o grande e único desígnio nacional que é o Euro2004, passa das marcas.
O discurso político está a voltar aos tempos do antigamente, primário .
Primário e populista na sua forma mais preocupante, muito extrema direita.
Será que vamos ter outra vez os comunistas a comer criancinhas?
Ou os padre a dizerem à porta igreja que se tem de votar na setinha para cima?



Muito bom é a felicidade que me invade por amar e ser amado.
O teu amor marca a minha vida, poder amar-te é um privilégio.
Agradeço-te a força que me dás. Amo-te.



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20 maio 2004

Pegada Ecológica




Para os que se preocupam com o resultado da sua passagem pelo planeta, a Câmara Municipal de Almada tem agora a Campanha da Pegada Ecológica.
Façam o teste e vão ficar no mínimo horrorizado com o tamanho do seu rasto no planeta.

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És tu



As tuas mãos...
Como eu te adoro.

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19 maio 2004

Fascínio


(Zambujeira do Mar)


Uma das muitas coisas que me atromenta , como já devem ter reparado tenho muitas, é o meu fascínio pelo mar e por escarpas e falésias.
Chegar os pés à ponta da falésia e pensar, um simples passo e estou a voar...

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Pop star



A cultura pop tem cada vez mais impacto na nossa vida.
Todos os dias somos bombardeados com personagens que nos entram pelos olhos e ouvidos sem que para tal lhes seja concedida qualquer autorização. Ele são cantores, artistas de cinema, de teatro ou simplesmente figuras da chamada sociedade.
A cultura pop assenta em bases muito primárias que passam entre outras coisas por uma exposição mediática constante. É necessário alimentar a figura pop ou corre o risco de cair no esquecimento. Por isso somos informados do nascimento dos filhos, dos divórcios, dos amores e das tais cumplicidades, de que falei em tempos, das ditas personagens.
Este fim de semana na crónica do Vasco Pulido Valente, com quem raramente concordo, apreciei a forma descomplexada como ele metia no saco de pop star o sempre candidato a qualquer coisa Santana Lopes.
A forma eficaz como ele gere a sua mediatização é brilhante, creio mesmo que será caso de estudo daqui a alguns anos pelos nossos brilhantes académicos o que diga-se desde já não é garantia de que se chegue a qualquer conclusão para além de monólogos umbigais.
Voltando ao tema, reparem como ele aparece constantemente em tudo o que é media.
O maior gozo é que agora aparece a pedir que o deixem em paz, não falem mais dos seus amores e desamores que o esqueçam durante uns tempos. Lindo.
Como ele sabe da coisa. Nada melhor para estimular a curiosidade do que fazer crer que se quer discrição.
Ele sabe que funciona ao contrário, ele quer é exposição não vá cair nas sondagens.


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18 maio 2004



As cores.
Os sons.
As cores são tantas, os sons são tantos.
Cedo apendi, com bons mestres arceditem, que a riqueza está na diversidade.
As cores do arco íris podem tomar muitas formas, assim como as notas músicais tomam diferentes cores.
Por isso neste meu mais que humilde blog tenho links para coisas tão diferentes como estações de rádio de Trance Music lado a lado com um blog sobre fado.
Com as cores não sou diferente, gosto de todas.
Tanto me apaixona um quadro de autor como um belo graffity não assinado.
Mas nas cores como na música esta diversidadde de gostos traz alguns desacatos internos, os neurónios por vezes andam todos à estalada.
Durante uns tempos vou vestir de preto e re-ouvir David Sylvian.




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17 maio 2004

Pestinhas



Uma das questões mais difíceis no relacionamento diário com as minhas filhas passa pelo equilíbrio, sempre o equilíbrio, entre o ser pai e ser companheiro.
Gostava de ser mais do que tudo um companheiro para elas mas é nessa altura, como alguém diria, que me sinto mais hippie e não me parece que seja isso que elas querem de mim.
Para a minha geração ser pai é quase um crime.
Mas será que elas querem um amigo mais velho que as ajuda e tenta guiar nos difíceis passos do crescimento?
Não me parece. Para a minha filha mais velha que tem agora 15 anos o facto da mãe não se importar muito que ela chegue cedo ou tarde, bastando uma pequena e esfarrapada explicação, é considerado desinteresse. Ela quer mesmo um pai e uma mãe que se assumam como tal, quer sentir que pertence a um grupo que tem regras a respeitar e que os pais a protegem.
Ela quer mesmo ser minha filha, o que me deixa cheio de orgulho.
Mas não é só ela, todas as nossas filhas cada uma à sua maneira gosta que os pais se asssumam.
Como os tempos mudam.
É bom ser pai.

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14 maio 2004

Saldos em Fátima



Como a afluência foi muito inferior à esperada, cerca de 150.000 visitantes, a época de saldos começa de imediato.
A opção pela lingua castelhana tem a ver com a quantidade de nuestros hermanos que se dedicam a visitar Portugal.
A não perder as santinhas luminosas e os porta-chaves com uma imagem fabulosa do papa em fato de banho.

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13 maio 2004

Fátima



O maior centro comercial do país está hoje em festa.
Promoções de velas e santinho, made in China.
Preços de ocasião.
São esperadas entre 350.000 a 400.000 pessoas.
Tanto quanto sabemos os stocks foram reforçados.

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12 maio 2004



Ilha de Cos



Eu sabia que tinha de haver um sítio

Onde o humano e o divino se tocassem

Não propriamente a terra do sagrado

Mas uma terra para o homem e para os deuses

Feitos à sua imagem e semelhança

Um lugar de harmonia

Com sua tragédia é certo

Mas onde a luz incita à busca da verdade

E onde o homem não tem outros limites

Senão os da sua própria liberdade


Manuel Alegre
CHEGAR AQUI, Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1984

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07 maio 2004

Milagre



E pronto temos mais um candidato a santo, o desgraçado do Fehér que ao morrer em directo curou uma velhinha de Leiria que estava a ver o jogo pela TV.
Para saber mais sobre o milagre.

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05 maio 2004



Gostava de ter uma tatuagem no braço, atracar em portos distantes.
Beber nos cabarés e sorrir sem amor para a paisagem do lago.

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Elites

O culto da personagem ou intérprete suplanta em tamanho de letra os atributos e a fama dos autores.
È ver o nome do músico em tamanho 25 e o autor da peça, que até pode ser Mozart ou Peixinho em letrinhas com corpo 10.
Importante mesmo é o artista que aparece na fotografia.
Também muito interessante e estimulante é o culto do desconhecido.
Será que continua a ser importante que se desconheça o intérprete para se encontrar de imediato uma boa razão para ir ao concerto?
Continuamos a cultivar o elitismo nem que seja na forma mais primária.
Conheces o pianista checo Miroslav Sakatoda? Opá eu tenho um CD dele com selo de uma editora independente, é fabuloso. Tradução: são todos uma cambada de ignorantes nem conhecem o Sakatoda, nem a editora SK69.
Quando determinada obra ultrpassa vendas de 500 exemplares já é considerada vulgar.
Bom mesmo é que só eu tenha a coisa, quanto muito eu e mais 3 melómanos, mas dos bons.
Somos mesmo elitistas e muito pequeninos.


(sugiro a audição de John Zorn e seus amigos)

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03 maio 2004

Sexo ou cumplicidade?




Uma das palavras mais usadas actualmente para expor a relação de duas pessoas é cumplicidade.
Já ninguém namora ou tem um caso com o Francisco Pintinhas, nem mesmo anda com a Bekas Ribeiro. Agora os ditos têm cumplicidades.
O Jonas de Carvalho apareceu na festa Se me apanhas tens direito a meia hora, acompanhado da Fifi Leitão, a cumplicidade era visível nos olhos apaixonados de ambos.
A cumplicidade entre Luzinha Branco e Zeca Picholette deixa adivinhar o futuro do casal.
Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo, obrigado Didas, o que significa a palavra?
Cumplicidade: Acto ou qualidade de quem é cúmplice
assim,
Cúmplice: o que tomou parte num delito ou crime.
O que colabora ou toma parte com outrem nalgum facto.

Será que já não há coragem para se assumir umas voltinhas com uma titia ou com um puto lavadinho com nome de marca de vinho? De vinho Reserva, claro.
Ou é mesmo crime o que andam a fazer esses marmanjos? Se calhar o repórter sabe mais do eu diz e os ilustres antes de entrarem na festa fizeram algum assalto a uma bomba de gasolina ou a uma velhinha num multibanco, já não sei.
Mas se o que eles querem é sexo, dar umas voltas umas quecas ou como lhe queiram chamar, deixem-se de cumplicidades.
Força que a vida é curta mas chamem as coisas pelo nome

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